Esse artigo é uma primeira tentativa formal em interpretar um sonho que tive. Mesmo antes de começar a estudar psicanálise e ter acesso aos conhecimentos desenvolvidos por Freud em “A Interpretação de Sonhos” de 1900, buscava entendê-los que tinha utilizado diversas páginas que existem na internet. A lógica era simplesmente: lembrar um ponto daquilo que ocorrera durante o sonho e consultar na internet por esse termo. Dentre os resultados, aceitava como “verdadeiro” aquele que mais combinava com meus sentimentos e objetivos. Obviamente, esse processo não representava qualquer processo minimamente técnico e os resultados não agregavam qualquer efeito prático no meu dia a dia.
Após o começo dos estudos, a primeira ação que fiz foi aplicar aquilo que ia descobrindo não somente nos meus atendimentos, mas também em mim, ou seja, como aquele conteúdo adquirido em cada módulo se encaixavam no entendimento de mim mesmo. Ainda que não represente uma autoanálise, devido aos meus limitados conhecimentos, o olhar para mim com mais cuidado, já significa grandes descobertas. Não foi surpresa, então, descobrir durante as leituras do módulo I que escritores haviam primeiramente buscado a psicanálise com objetivos individuais. Ao começar o módulo II, onde é apresentada como podemos entender os sonhos e interpretá-los, aquilo que buscava de forma simplória poderá agora ser feito mais concretamente.
O sonho que passo a interpretar tive no final de semana, na noite de 25 para 26 de junho de 2019. Para que possamos entender minimamente o sonho, segue uma breve contextualização do que vinha ocorrendo nos meus relacionamentos. Eu e minha esposa moramos durante 7 anos em Itajaí (SC) e tínhamos muitos relacionamentos sociais com pessoas que residiam na região da Grande Florianópolis. Em DEZ/18, após quase dois anos morando em Curitiba, optamos por retornar a SC, mas por conta dessas amizades optamos agora por residir em São José. Inicialmente fomos muito bem recebidos por esses antigos amigos, mas com o passar do tempo alguns pontos dessas amizades foram se mostrando não tão interessantes assim… Com a virada de 2018 para 2019, decidimos que iríamos nos afastar daquilo que nos fazia mal e buscaríamos um novo ciclo de amigos. No entanto, um casal em específico que tínhamos grande estima, voltou a nos procurar com uma nova tentativa de aproximação.
Nesse processo de reaproximação surgiu um evento no sábado que tínhamos em comum. Com o passar dos dias da semana anterior, não nos procuramos e, em princípio não tinha nada que nos vinculasse. Eu nem sabia se eles iriam ao tal evento. Até que no dia 24, eu procurei o Dani, chamando-os para irmos juntos à festa. Naquele contato, ele me disse que iriam sim, mas que a Juliana, esposa do Dani, (nomes fictícios para tentar preservar sua identidade) estava “enrolando”. Fiz contato com ela também na tentativa de convencê-la, mas em nenhum momento tive a certeza de que eles iriam, tão pouco que iríamos juntos.
A sexta-feira terminou e no começo do sábado vi na lista do evento que o nome deles estavam e que vários outros contatos novos deles haviam sido incluídos também. Falei com a minha esposa: “espero que o Dani lembre de nos avisar que vão para que possamos marcar de irmos juntos como de hábito fazemos!”. Nesse momento, minha esposa já estava apresentando um quadro gripal e, por precaução, no meio da tarde optamos por não ir. Ainda assim, esperava que houvesse esse contato por parte deles e, como não houve, senti que fomos trocados pelo Dani e a Juliana e, ainda por cima, foram ao evento com outras pessoas, fazendo questão de expor que estavam com outros novos amigos. Fui dormir tentando fazer com que esse incômodo, não ficasse martelando na minha cabeça.
Chegamos então ao sonho… Estava voltando de algum lugar que inicialmente não sabia ao certo de onde, dentro de um ônibus. Eu mesmo não me vejo, estava totalmente associado no sonho. Portanto, não posso concluir qual a minha idade no sonho. Estava sentado em uma poltrona sozinho, sem ninguém ao meu lado, quando meu irmão, com uma fisionomia mais nova que a atual, senta-se ao meu lado. Não falo nada com ele e sem qualquer motivo aparente, pulo cima dele, lhe esbarrando as pernas com meus pés, em uma atitude intempestiva e agressiva. Naquele momento, meu objetivo era sair do ônibus quando uma menina morena cuja aparência me faz crer ter entre 8 e 10 anos, com cabelos compridos e cacheados vem para me assaltar com uma pequena arma em punho. Parto para defender-me e entro em luta com ela dizendo: “não faz isso, Dani. Por que você está fazendo isso? Não precisa agir assim, Dani…”. Consigo tirar a arma da mão dela e disparo um tiro contra a sua mão. Nesse momento, observo que em seus dedos havia diversos anéis. Como a arma não tinha munição real, não provoco qualquer dano físico na Dani do meu sonho, apenas destruo os anéis que existiam. Por fim, consigo saltar do ônibus sigo andando em uma rua que, aparentemente é próxima de um colégio em que estudei no RJ. Esse seria o conteúdo manifesto do meu sonho.
Ao amanhecer, fui conversar com minha esposa sobre o sonho focando a conversa na “coincidência” do nome da “assaltante” do sonho com o nosso amigo. Durante essa conversa, falei a ela: “Amor, não sei de onde estava voltando, mas será que não seria do Colégio Militar? Acho que era…”. Foi quando me veio à cabeça uma cena na qual eu saí do colégio e encontrei meu tio no ônibus, tendo uma reação idêntica e totalmente sem razão aparente. Esse meu tio faleceu em 2021 vítima de COVID-19 e foi como um pai para mim. Alguns dias antes, em casa com a minha esposa, estávamos conversando sobre a importância dele na minha vida.
No meu sonho, concluo que a imagem do meu tio foi deslocada pela do meu irmão, mais novo, pois a censura do meu sistema pré-consciente ainda se mantinha ativa. Com meu tio, eu me culpava em ter tido aquela atitude intempestiva, adolescente e sem propósito. Já com meu irmão, apesar de continuar sem razão, era tolerável trazer essa imagem para meu consciente. Meus pensamentos oníricos de certa forma, tiveram que driblar os meus mecanismos de defesa para recriar a cena, fazendo-me reviver o ocorrido com meu tio, manifestando-se no meu consciente, mesmo que de forma indireta, entregando uma formatação tolerável. E por que meu inconsciente escolheu exatamente meu irmão para colocar no lugar do meu tio? Na família, somos unânimes na opinião que ambos têm personalidades muito parecidas, ficando fácil concluir a opção que o meu inconsciente tomou.
Meu problema com amigos também veio à tona, condensando o casal com o qual havia me desentendido durante o dia: o nome dele e os cabelos dela. A imagem da menina pequena, pré-adolescente, me mostrava como julgava infantil e imatura a atitude deles, assim como a minha também, apesar de não ter certeza, como já disse, de que minha representação também fosse infantil.
Falava para a Dani do sonho exatamente aquilo que gostaria de dizer para o Dani real: “Por que você está fazendo isso? Não precisa agir assim, Dani…”. A cena no assalto, me representava todo o cenário de aflição e sentimento de agressão que eu tinha sentido após saber que fomos “trocados” e, ao tomar a arma da mão da menina, lhe dar um tiro na sua mão e que não lhe feriu gravemente, representa a forma como gostaria de agir, ou seja: além de dizer aquilo que disse em sonho, agredir lhe fisicamente, mas sem machucá-los, pois, ainda lhes guardo afeto. Apenas destruo os anéis que, a meu ver, simbolizavam os laços de amizades que tínhamos.
Em casa, durante todo o domingo eu e minha esposa conversamos longamente, não só sobre o sonho em si (ela também cursa psicanálise), mas também sobre toda a situação que vínhamos enfrentando com nossas antigas amizades. Essa conversa permitiu que amadurecesse meus sentimentos com relação ao Dani e a Juliana. Durante a tarde, ele nos procurou e conseguimos de forma um pouco mais madura colocar em pratos limpos a situação. Espero que dessa vez de forma duradoura.
Em síntese, podemos dizer que meu sonho teve em termos de formatação dois conteúdos principais: i) os restos diurnos fruto do meu desentendimento com amigos; ii) os conteúdos inconscientes reprimidos representados pelo meu sentimento de culpa com a atitude que tive quando adolescente com meu tio. O conteúdo manifesto do sonho me fez lembrar de toda a historinha que contei a minha esposa no amanhecer; já o conteúdo latente me foi revelado somente durante essa fala, fazendo-me compor todo o cenário que envolvia o ônibus, meu irmão e meu tio.
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