Entende-se por “casos difíceis” aqueles que apresentam sérios obstáculos ao processo analítico. Isso ocorre em pacientes que possuem muitos conflitos neuróticos entre as diferentes estruturas psíquicas sendo estas difíceis de serem modificadas. Esses mecanismos de defesa servem-lhes como proteção do ego, levando a uma resistência à mudança.
Entretanto, a acessibilidade deve levar em conta a relação transferencial/contra-transferencial e resistencial/contra-resistencial entre analista e analisando. Ou seja, não se pode afirmar que um paciente é de difícil acesso, pois este pode ser difícil para um analista e para outro não. Portanto, o correto é não rotular ou prejulgar nenhum paciente, mas sim tratá-lo dentro de requisitos mínimos e levar em conta a própria percepção do analista.
Apesar de levar em conta a possibilidade de que o difícil acesso possa aparecer em todos os níveis da estruturação da personalidade, vou me deter particularmente nos analisandos mais regressivos, com fixações patológicas pré-genitais, de prevalência simbiótico-narcisista. Na clínica, trata-se de pacientes com organização borderline da personalidade; os de organização perversa; os de personalidade exageradamente narcisista; os de sérias dificuldades na representação de si mesmos; os de conduta anti-social; os drogadictos; os psicossomatizantes, os deprimidos crônicos; os pacientes definidos por MacDougall como os “antianalisandos”; e aqueles pacientes portadores de uma “organização patológica” que sabota o crescimento mental do sujeito. Sabemos que esses quadros clínicos se superpõem, mas, respeitando os diferentes graus de regressão ou detenção evolutiva, bem como as peculiaridades típicas de cada um, creio ser possível traçar um perfil clínico do “Paciente de Difícil Acesso” (PDA).
De acordo com a história genética, as características desse paciente de difícil acesso, está relacionado a um fracasso ambiental em relação as necessidades de apego da criança, onde houve a privação materna, ou seja, mães que foram indiferentes, ou mães que foram intrusivas. Esse tipo de paciente se mostrará com dificuldades de tolerar frustrações e de aceitar as verdades, principalmente aquelas acerca de si mesmo, pessoas com comportamentos vingativos, sentimentos de desânimo, tristeza e vazio. Há também forte personalidade narcisista, portanto um exagerado amor a si próprio e, ao mesmo tempo, um exagerado ódio por si próprio desencadeando em baixo autoestima.
A categoria dos “pacientes de difícil acesso”, não é claramente estruturada como uma entidade única, pelo contrário, ela comporta uma grande variedade de síndromes clínicas, que não necessariamente guardam uma proporção direta com o grau de regressividade, ou de gravidade. No entanto, virtualmente em todas essas situações clínicas, sempre está presente uma organização patológica que, agindo desde o próprio self do paciente, dificulta, ou até mesmo impossibilita, que ele estabeleça um contato com a sua “parte doente”, assim podendo impedir que se processe alguma importante mudança psíquica na sua pessoa.
Em síntese, o paciente resistente, de difícil acesso é aquele que possui uma estrutura egóica fragilizada e se utilizará consciente ou inconscientemente formas de se boicotar e se sabotar criando assim uma resistência ao processo terapêutico a fim de evitar o sofrimento. Porém, quanto mais o paciente deseja evitar o sofrimento, mais ele sofre!
Freud empregou o termo resistência, pela primeira vez, ao se referir a Elisabeth Von R. (1893), com a palavra original widerstand, sendo que em alemão “wider” significa “contra”, como uma oposição ativa. Até então, a resistência era considerada exclusivamente como um obstáculo à análise, correspondendo sua força à quantidade de energia com que as ideias tinham sido reprimidas e expulsas de suas associações.
Ainda de acordo com Freud, ele utilizando a hipótese estrutural, descreveu cinco tipos de resistência e três fontes (oriundas do Id, do ego e do superego). Os tipos derivados da fonte do ego seriam:
1) Resistência de repressão: consiste na repressão que o ego faz, de toda percepção que cause algum sofrimento;
2) De transferência: o paciente manifesta uma resistência contra a emergência de uma transferência “negativa”, ou “sexual”, com o seu analista;
3) De ganho secundário: pelo fato de que a própria doença concede um benefício a certos pacientes, como os histéricos, personalidades imaturas, e aqueles que estão pleiteando alguma forma de aposentadoria por motivo de doença, essas resistências são muito difíceis de abordar, eis que egossintônicas.
Já as demais são:
4) As resistências provindas do Id: Freud as considerava como ligadas à “compulsão à repetição” e que, juntamente com uma “adesividade da libido”, promovem uma resistência contra mudanças;
5) Por fim, a resistência oriunda do superego, a mais difícil de ser trabalhada, segundo Freud, por causa do sentimento de culpa que exigem punição.
Dentro do setting terapêutico, é papel do analista observar primeiramente porque o paciente está sendo resistente, o que ele está evitando, quais são os motivos e como ele está evitando? Compreender quais sentimentos ele está tentando resistir e afastar.
É fundamental confrontar o paciente com o fato de que há uma resistência presente antes do analista tentar qualquer outra coisa. A capacidade do paciente em identificar uma resistência vai depender de duas coisas: O estado de seu ego racional e a vivacidade da resistência. Um ego profundamente racional vai tomar conhecimento até mesmo da resistência mais simples e um ego pouco racional vai exigir uma evidência arrasadora da resistência. O analista deve avaliar através da observação e da empatia, o estado do ego racional do paciente a fim de determinar o grau de clareza que a evidência da resistência deve ter para que o paciente possa reconhecê-la como tal. A confrontação do paciente só deve ser feita quando existe uma possibilidade de que esta confrontação será significativa para o paciente e somente quando ele não tiver sucesso em sua tentativa de negar ou minimizar a validade dessa resistência. A demonstração prematura de uma resistência não é apenas uma perda de tempo, mas dispersa um material que poderia ser eficiente posteriormente. Por mais clara que possa parecer a evidência da resistência, o fato decisivo é: será que esta confrontação vai fazer sentido para o paciente?
Uma vez identificado um analisando como sendo de difícil acesso, e após ter encontrado suas resistências, o analista deve utilizar uma linguagem simples, clara e direta, escolhendo palavras que façam o paciente refletir seu afeto. O analista deve ser muito cuidadoso e ter acuidade visual, observar a linguagem corporal do paciente para que consiga se comunicar e gerar a transferência com ele a fim de conseguir seguir com a análise.
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