Os Sonhos na Cultura Cinematográfica Moderna 

O cinema, assim com as demais artes, sempre buscou representar de alguma forma a vida cotidiana em seus mais variados aspectos. Não à toa, a expressão “a vida imita a arte” se tornou extremamente popular nos últimos anos do século XX, tendo no cinema a sua mais popular representação. A partir da década de 1970, em especial, após o lançamento do filme “Guerra nas Estrelas” em 1978 do diretor e produtor americano George Lucas, as produções cinematográficas americanas dedicaram uma série incontáveis de lançamentos que nos permite indagar: “de onde esses caras conseguem pensar essas coisas?” São soldados imortais, destruições planetárias, viagens no tempo com e sem alterações dos fatos, além dos cada vez mais elaborados desenhos aminados e heróis de histórias em quadrinhos. Fora os mais diversos filmes e desenhos sobre sonhos passando por roubos em sonhos, sonhos como profecias e as mais diferentes representações de como se formam os sonhos!  

Da mesma forma, o interesse do ser humano pelos sonhos sempre foi intenso e desde a Antiguidade os mais diferentes escritores, filósofos, médicos, enfim, os mais diversos estudiosos de diferentes áreas do conhecimento humano se propuserem a estudá-lo. No entanto, apenas a partir da publicação de “A Interpretação dos Sonhos” em 1900 de S. Freud, que tivemos uma verdadeira estrutura minimamente científica para entendermos os sonhos. 

Nesse processo, ao longo dos séculos, a primeira pergunta que deve ter sido feita pelos estudiosos é: “por que, afinal, sonhamos?”. Se compararmos nossos ciclos de vida com outros seres vivos na natureza, teremos uma clara resposta para as perguntas acerca da alimentação, locomoção. Pensando que essa nossa característica nos aproxima dos demais animais, nossos ciclos de vida são regulados por processos claramente fisio-biológicos e, à noite, sonhamos!  

Hoje a ciência consegue compreender mais profundamente o papel do sono na saúde humana, e foi com Freud que a função de manter esse sono, ou seja, permitir e manter a pessoa em estado de repouso, aliviando e canalizando os estímulos internos e externos que passou a ser estudado sob o ponto de vista científico. Freud começa então, em sua publicação de 1900, a discutir que o sonho tem efeitos no organismo físico, criando assim uma relação entre o psíquico e o somático, entre a realidade psíquica e a realidade material, por assim dizer! 

O termo “realidade” é comumente usado para representar aquilo que nos espera todos os dias ao acordarmos, ou seja, aquilo com o que nos defrontamos em estado de vigília. A realidade psíquica, por outro lado, nada tem a ver com esse conceito pré-estabelecido popularmente. Esta não corresponde àquilo que nos rege no dia a dia, mas sim àquilo que nos guia através de uma infinita rede de associações, sendo a principal responsável pelas fantasias e pelos sonhos. A realidade psíquica é então uma espécie de tela onde a realidade material é projetada, ganhando suas formas, cores e contornos, permitindo-nos então termos a consciência de que dizemos ser o real. Desta forma, a afirmação de que não existe realidade sem um sonho ou fantasia está perfeitamente correta, pois só conseguimos nos orientar na realidade material quando as funções de fantasia e sonho estão intactas! Apesar de paradoxal, a nossa realidade psíquica resulta dos elementos que encontramos na nossa realidade material, afinal só conseguimos fantasiar ou sonhar, por exemplo com algo que conhecemos ou tivemos algum tipo de contato. É através dos elementos e estímulos recebidos pela nossa percepção que construímos nossos sonhos, mesmo que da ampla gama de estímulos que recebemos ao longo do dia, registramos apenas aqueles que temos condições de reconhecer, deixando marcas em nossa experiência. 

Recorrendo novamente ao que ouvimos diariamente, podemos explicar o sonho como a realização de desejos. Sempre quando conquistamos algo extraordinário, dizemos “me parece um sonho!” ou quando vivenciamos uma situação de muito prazer recorremos à frase “estou vivendo um sonho!” Podemos afirmar então, que tal realização no campo da realidade material provoca surpresa e nos deixa boquiabertos! Dessa interpretação, Freud partiu ao analisar os sonhos infantis: a simples e pura realização de desejos, orientada pelo princípio do prazer, ou seja, eram através de sonhos que nossos desejos mais profundos vinham à nossa consciência sem que fossemos censurados de alguma maneira pelo nosso ego. 

No entanto, para que esse drible no ego fosse feito e os desejos pudessem emergir na forma de sonhos, esses devem ser produzidos de alguma forma específica! Nesse sentido, Freud afirma que o conteúdo dos sonhos seria dividido da seguinte forma: 

  1. Conteúdo latente: é a primeira parte do processo de sonhar. É composto basicamente de três componentes, a saber: i) as impressões sensoriais noturnas e/ou como necessidades fisiológicas (muita luz, excesso de barulho, vontade de urinar, por exemplo); ii) os restos diurnos, ou seja, tudo aquilo que vivenciamos durante o dia e que de alguma forma ficou registrado no inconsciente e não fora “utilizado”; iii) e o mais interessante, os impulsos do Id; 
  1. Conteúdo manifesto: é o cenário do sonho. De uma forma simples é aquilo que literalmente contamos a outrem quando acordamos. Aqui é fundamental ressaltar que a característica mais marcante do conteúdo latente é que ele não obedece a qualquer lógica, racionalidade, lei (tanto moral quanto natural) ou coerência. 

A fim de quebrar os bloqueios da censura existentes na parte inconsciente do ego, o processo psíquico envolvido no processo de elaboração dos sonhos cria uma série de mecanismos para permitir que os desejos se manifestem no “Conteúdo Manifesto”. Dentre os diferentes processos envolvidos existem dois que merecem especial atenção e que estão diretamente associados ao cinema americano: a condensação e o deslocamento. Na condensação, o inconsciente do sonhador produz um único elemento como resultado de uma ampla rede de associações e modificações. O deslocamento, por outro lado, faz com que o conteúdo latente do sonho seja substituído por outro no manifesto, tanto no que se refere a objeto, quanto a emoções (nesse caso, tecnicamente chamado de projeção). 

Estando assim bem claro como os sonhos se formam, podemos perdoar os diretores e roteiristas de Hollywood quando eles criam um soldado imortal como o Rambo ou um lutador de boxe que renasce ao final de uma luta de mais de 10 rounds. Nada mais é a condensação em sonho do desejo americano de derrotar o comunismo soviético, tão comum nos anos 1980. Da mesma forma, a luta intergaláctica de Luke Skywalker ao lado de mercenários contra a Estrela da Morte. E o que falar de McFly viajar no tempo com a Delorean, participando ativamente de eventos, tanto no passado e no futuro, além da possibilidade de alteração do passado conforme a necessidade, visto em “Efeito Borboleta”. Talvez esse seja um dos desejos mais comuns a nós mundanos e mortais sonhadores, não?! Podemos citar ainda, os mais diferentes desenhos animados infantis onde animais cantam e interagem entre si, como se anímicos fossem munidos de consciência, inteligência e demais atributos (em princípio!) exclusivos de nós humanos. 

Por último, vale citar dois filmes que, na minha singela ignorância cinematográfica, sob ótica da formação dos sonhos, merecem apreciação: “A Origem” e “Sonhos S.A”.! No primeiro, um grupo de mercenários é contratado para em sonho roubar informações de um milionário, enquanto no segundo uma menina, movida por um desejo de separar o pai da sua meia-irmã utiliza os seus sonhos para realização de tal desejo. Ambos contêm em diferentes momentos exemplos da formação do sonho, tais como a arquitetura do sonho produzida de forma ilógica atemporal e irracional além dos restos diurnos da vida em vigília e as impressões sensoriais que influenciam no conteúdo manifesto do sonho. 

Por fim, podemos concluir que os roteiristas e diretores hollywoodianos são mestres em dar forma aos mais diferentes sonhos, trazendo para nossa “realidade material” aquilo que eles, nós mesmos ou até nações inteiras sonham. Atualmente, com os mais diferentes recursos tecnológicos que transformam as produções, podemos tranquilamente afirmar que essas são verdadeiros sonhos alimentando nossa realidade psíquica que fica como uma espécie de tela (com o perdão do trocadilho) para nossa realidade material. 

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