Da Gênese da Psicanálise às Duas Tópicas de Freud – Um Breve Resumo 

Apesar de relativamente nova como área do conhecimento, afinal os primeiros estudos científicos datam de aproximadamente cem anos atrás, a psique sempre despertou interesse fazendo com que o ser humano buscasse diferentes formas de lidar com aquilo que era considerado doença mental ou algum desvio de comportamento tido como normal à sua época. Conforme enumera Zimerman (1999, p. 20), existem registros de trepanações cranianas feitas pelos antigos egípcios realizadas com objetos pontiagudos com objetivos de localizar doenças mentais dentro do crânio humano. Podemos observar também relatos de quadros psicopatológicos na Bíblia, passando pela forma degradante que os doentes mentais eram tratados durante a Idade Média, entre os mais diversos métodos utilizados para tratamentos daqueles transtornos.

Até a reforma hospitalar promovida por Philippe Pinel entre o final do século XVIII e início do XIX, os doentes eram submetidos aos mais diferentes rituais, desde prisões em masmorras, exibições em circos até o encarceramento em hospícios fétidos e imundos. Sob o contexto da Revolução Francesa de 1789, com suas ideias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, Pinel revolucionou o tratamento hospitalar com a filosofia da assistência asilar, promovendo uma humanização e reconstruindo um sentimento de identificação dos que sofriam dos problemas mentais.

Nesse cenário, o jovem médico neurologista vienense S. Freud, consegue uma bolsa de estudos em 1885 em Paris. Lá pode, ao longo de aproximadamente 18 meses de estudos, ter contato com o médico francês J. M. Charcot. Freud viajara à Paris com um único propósito, conforme ele próprio relata: “o estudo das atrofias e degenerações secundárias que se seguem às afecções do cérebro nas crianças” (FREUD, Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim, p. 15). No entanto, devido às péssimas condições do hospital local, é obrigado a desistir do seu objetivo inicial, focando seus esforços no material que Charcot dispunha acerca do tratamento das histerias.

Após esse período em Paris, Freud retorna à Viena onde não consegue apoio no meio acadêmico para suas ideias e aprendizados, exceto do respeitado médico Josef Breuer, com quem entre 1893 e 1896 pode desenvolver diferentes estudos e trabalhos envolvendo a redução dos sintomas de histeria utilizando técnicas como a sugestão hipnótica. Juntos, Freud e Breuer desenvolveram o que ficou conhecido como método catártico, ou seja, um conjunto de técnicas de tratamento que possibilitavam a liberação de emoções represadas em acontecimentos passados por meio de recordações das cenas vivenciadas. Até então, Freud partia do princípio de que os conflitos psíquicos eram resultantes de quaisquer repressões impostas por traumas de sedação sexual ocorridos no passado e que retornavam em forma de sintomas, conforme descreve Zimerman. Por fim, Freud postulou que a cura consistiria em “lembrar o que estava esquecido”.

Esse modelo teórico perdurou até 1897, quando Freud entende que existem lugares específicos onde a mente guarda suas lembranças. Nesse sentido, ele substitui o modelo anterior – Teoria do Trauma – pela Teoria Topográfica (modelo topográfico ou primeira tópica da teoria freudiana), dividindo o aparelho psíquico em três lugares (Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente) e substituí seu paradigma técnico para “tornar consciente o que estiver no inconsciente.” Cabe aqui ressaltar que o lugar ao qual Freud refere-se, nada tem a ver com a anatomia do cérebro, mas sim com a localização na região psíquica.

O sistema consciente é a parte do sistema psíquico que está em contato constante com o mundo externo. Ele tem a finalidade de receber todos os estímulos vindos do exterior, além de receber e processar as sensações internas. Outra função importante do consciente é processar as lembranças, qualificando-as em boas ou ruins conforme o nível de prazer que proporcionam. No entanto, é importante destacar que o sistema consciente não guarda essas lembranças, não memoriza os fatos, mas apenas os qualifica. Por último, de acordo com Zimerman (2007, p. 82), “a maior parte das funções perceptivo-cognitivas-motoras do ego processam-se no sistema consciente”.

O sistema pré-consciente faz um “meio-de-campo” entre o consciente e o inconsciente, deixando acessível ao consciente fatos/lembranças que estão guardadas no inconsciente. Sua função principal é guardar, de modo verbal, as informações que devem ser facilmente recuperadas.

O inconsciente, segundo a primeira tópica de Freud, é a parte mais antiga do sistema psíquico, sendo formado por meio de uma herança genética e energias pulsionais (Zimerman, 2007, p. 83). De acordo com Riedo, “o inconsciente também armazena memória de afetos e vivências que não podem ser representadas de modo verbal porque são de uma infância muito inicial, em que a criança ainda não dispunha de palavras para nomeá-las”. É aqui no inconsciente que muitas funções do ego e do superego são operadas.

Ao avançar com seus estudos, a partir de 1920, Freud nota que o sistema topográfico não dispunha de recursos suficientes para lidar com a estrutura dinâmica do aparelho psíquico. Nesse sentido, ele amplia sua teoria com a concepção de que a mente humana se comporta com demandas distintas, proibições e funções específicas, tanto do consciente, quanto do inconsciente, da mesma forma que essa estrutura interage entre si e com a realidade do mundo exterior.

Antes de esclarecer cada um dos pontos da segunda tópica, é de fundamental importância deixar claro que as primeira e segunda tópicas não são excludentes, mas sim complementam-se mutuamente, pois Freud desenvolveu a segunda sob um ponto de vista diferente, mais dinâmico e de forma que os seus elementos interagem entre si.

O primeiro elemento da segunda tópica é o ID. É nele que está a instância mais profunda e vasta do sistema psíquico. Aqui está reversada e energia psíquica, ou seja, é a fonte de todas as pulsões. Pode-se afirmar, então, tratar-se do polo pulsional da personalidade e de seus conteúdos. Segundo Zimerman, é correto afirmar que o ID é intrinsicamente ligado ao inconsciente, de tal modo que este último coincide com o ID, considerado como polo psicobiológico da personalidade.

O Ego é a instância que tem como principal função o equilíbrio entre as descargas de excitações. Segundo Riedo, o Ego é orientado pelo Princípio da Realidade, princípio que trabalha em par com o Princípio do Prazer (localizado no ID), modificando este e, na medida que consegue imperar no aparelho psíquico, trabalha para adiar a satisfação pulsional até o momento em que pode ser realizada. Em outras palavras, o Ego é uma espécie de regulador que busca atender os desejos (princípio do desejo) de acordo com a realidade (princípio da realidade). Outra característica importante do Ego é que ele atua como um supervisor dos processos psíquicos, evitando assim sofrimento que possa gerar desorganização.

O Superego, por sua vez, é onde buscamos a regulação moral condicional às exigências sociais e culturais. Desenvolve-se com a absorção de conteúdos diversos, tais como limitações, autoridades e proibições gerais, muito fruto do convívio com os pais. Por conta dessa forma de desenvolvimento, podemos afirmar, em última análise, que o Superego é uma espécie de guardião da cultura, dos preconceitos, da ética e dos padrões de comportamento de uma determinada sociedade, uma vez que nosso superego foi desenvolvido a partir do contato com nossos pais e esses, por sua vez, tiveram seus respectivos superegos constituídos no contato com os pais deles (nossos avós) e assim por diante.

A partir então dos estudos de Freud e suas teorias, além das contribuições dos estudiosos contemporâneos e mais modernos, conseguimos avançar no conhecimento da mente humana, assim como no diagnóstico e tratamento das neuroses e psicoses como as conhecemos atualmente.

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