A Teoria Psicanalítica e o Sujeito Contemporâneo em Tempos de Transformações 

Vivemos em tempos de profunda transformação! Em diferentes áreas de conhecimento humano, o século XX e, mais evidentemente os primeiros anos do século XXI, avanços significativos e de extrema profundidade são observados. Impulsionados por conhecimentos adquiridos das diferentes áreas de tecnologia, outras áreas se transformaram e continuam um processo gigantesco de transformação. Áreas como a médica, de transporte, de comunicações, de lazer, entre as mais diversas são influenciadas por essas transformações e mudanças. Não à toa, os conhecimentos de psicanálise são parte integrante desse contexto transformador vivido no século passado. 

Como reflexo desse processo, e tão importante quanto, como parte dele, a concepção de Freud do sujeito dividido encontra-se em xeque: uma crise ética põe em questão a capacidade da teoria psicanalítica dar conta do sujeito contemporâneo. De um lado, a psicanálise com seu sujeito dividido e produto do inconsciente, da falta e do conflito, não mais adequado na explicação do homem pós-moderno pleno e reconhecido pela manifestação de suas vontades e desejos. De outro lado, a neurociência e a psiquiatria enxergando o homem como uma máquina perfeita, mas em alguns momentos atormentado por alguma síndrome, muito em função da vida caótica contemporânea, mas acima de tudo, tratável e “curável” com psicofármacos modernos. Assim sendo, por que analisar aquele sujeito dividido da teoria psicanalítica? O certo é que essas questões devem ser tratadas mais em termos éticos do que analisando a eficácia dos tratamentos, ou seja: quais as consequências, para a construção do laço social e das diversidades, de pensar no sujeito a partir da falta e do conflito? 

A partir do momento que enxergamos o indivíduo como autônomo e bem-funcionante, apenas afetado por circunstâncias externas, estas podem “produzir” falhas em seu perfeito estado de funcionamento, mas sem afetar o seu íntegro. Desta feita, este indivíduo é curado por alguma intervenção psicofarmacológica tão externa ao seu psiquismo quanto aquele mal que lhe aflige. Desta forma, o indivíduo passa a afastar-se do seu Eu (da sua consciência, dos seus afetos e do seu próprio corpo), representando nisso tudo o que lhe causa mal-estar e, por outro lado, aproximar-se daquilo que lhe proporciona o prazer, produzindo no mundo sujeitos incapazes de tolerar a frustração infantil, uma vez que o desagradável, o angustiante, tornam-se equivalentes a recusa do próprio pensar, influenciado pelas lembranças inconscientes de experiências frustrantes. 

Dada a forma como a sociedade concebe sua vida psíquica atual, atribuindo totalmente seu equilíbrio à cura neuroquímica através de psicofármacos, produz indivíduos incapazes de mediar suas diferenças. Um pensar pobre leva, invariavelmente à violência física de um lado e, de outro, a depressão, fruto justamente do empobrecimento do indivíduo ao negar o próprio conflito. 

A depressão está para a sociedade do século XXI, assim como a histeria estivera para a sociedade vitoriana do século XIX é ao mesmo tempo condição e consequência da recursa do indivíduo em assumir o seu próprio conflito, pois a depressão e o empobrecimento da vida psíquica do indivíduo são o preço pago por aqueles que recusam qualquer grau de sofrimento, tendo sintomas neuróticos provenientes das resistências de um Eu que não tem recursos significativos para enfrentar aquele sofrimento que fora negado, aumentando portanto a dimensão deste sofrer. Este medo do sofrer proporcionado pela negação e aumentando pelo desconhecimento é tipo dos comportamentos neuróticos, uma vez que estes são tão resistentes ao novo e a romper com ciclos de repetição sintomática. Nesses indivíduos, a esperança de viver a vida toda ignorando algo que fora consumado é o alimento da sua própria angústia de castração. 

O fato é que vivemos em uma sociedade pós-moderna que, segundo seus ideais de felicidade (ou bem-estar e comodidade) desaprendeu a sofrer, negando a existência e a possibilidade de qualquer sofrimento lhe pertencer. Porém, este mesmo sujeito que não quer sofrer, sofre com a culpa neurótica e, pior, sofre da culpa por sofrer! Quantas vezes ouvimos no consultório “não me sinto tão feliz com tudo que tenho e como, portanto, deveria me sentir”? Sob ponto de vista do inconsciente, o neurótico não é nem pior, nem melhor que qualquer outro indivíduo.  

Partindo do princípio de que o indivíduo manifesta algum sofrimento e este é um sintoma de representações recalcadas do desejo, às fantasias perversas infantis, não podemos dispensar todo o recalque, limpando esta dimensão do inconsciente, uma vez que, sem esta dimensão, o próprio sujeito desaparece. Assim, o que podemos esperar de uma análise é que, durante seu percurso, o analisando seja capaz de ser íntimo daquele outro que existe em si, não mais negando-o, da mesma forma que não deva negar a existência de quaisquer de seus afetos.  

Ao olharmos, portanto, para o indivíduo não mais como um ser único, indivisível e infalível, mas sim como um sujeito dividido, complexo, frágil e passível de sofrimento, seremos capazes de nos voltarmos para pensamentos de resolução de conflitos individuais, sociais e violentos, tão característicos de uma sociedade distante de si mesmo e viciada na gratificação imediata advinda da modernidade e desenvolvimento. 

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