A Associação Livre – Como Ser Científico e Não Ser Engessado? 

Ao longo de todo o desenvolvimento teórico que Freud apresentou no decorrer dos seus estudos, desde o final do século XIX, a técnica e o processo analítico estiveram presentes. Como Lacan observa “não há obra em que Freud não nos traga alguma coisa sobre técnica”. Apesar disso, o próprio Freud demorou ao menos 15 anos para elaborar seu texto “Artigos Sobre Técnica”, no qual ele introduz os principais elementos integrantes da prática psicanalítica.  

A partir desse texto de 1911 e nos textos seguintes o mestre da psicanálise apresenta os fundamentos do método psicanalítico, a saber: a explanação sobre a regra fundamental da psicanálise, da associação livre, e seu correlato no analista, a atenção flutuante; a transferência em suas diferentes modalidades; a resistência manifestada através de qualquer interrupção no discurso e, especialmente, da transferência; a dialética entre rememoração e repetição em jogo a elaboração; as entrevistas preliminares e os elementos que devem ser ponderados pelo  analista logo no início do tratamento; o uso do divã e o pagamento da análise. Desde a criação da International Associancion of Psicanalists (IPA), os seguidores de Freud estavam ávidos a entender o manejo dos analisandos dentro do ambiente do consultório. 

Mesmo após a publicação do texto citado acima e dos demais que a seguir vieram, Freud deixa em aberto ao analista a possibilidade de descobrir a melhor forma de conduzir o seu próprio processo, ou seja, de construir seu próprio método analítico dentro do seu laboratório de psicanálise. Ao longo dos seus estudos, Freud deixa muito claro que ali estavam não uma regra, mas sim um conjunto de recomendações que poderiam ser seguidas dada a diversidade de constelações psíquicas e todos os processos mentais únicos e específicos envolvidos no par analítico que não permitem uma mecanização de todo o processo. 

Mesmo com esse discurso amplo, os seguidores de Freud entenderam que suas recomendações seriam regras rígidas, cabendo a Lacan a introdução efetiva de conceitos estritamente individuais e libertos da rigidez até então entendidas do método psicanalítico. Lacan salienta o lema analítico de Freud que dizia de que cada caso deve ser abordado em sua singularidade e o analista deve esquecer o que sabe em “o progresso de Freud, sua descoberta, está na maneira de tomar um caso na sua singularidade, . . . para ele, o interesse, a essência, o fundamento, a dimensão própria da análise, é a reintegração, pelo sujeito, da sua história até os seus últimos limites sensíveis, isto é, até uma dimensão que ultrapassa de muito os limites individuais.’ 

Dentro de todo esse contexto liberto de regras e onde a criação, liberdade de interpretação individualizada e específica, fruto de um trabalho único e produto do par analítico formado por analista e analisando, a associação livre e a atenção flutuante tornam-se elementos centrais, dando o caráter de processo e de liberdade, ambivalente e complementar. Entende-se como associação livre o conjunto de ideias que se relacionam entre si e que são verbalizadas sem qualquer preocupação de lógica e estilo. Sem a associação livre no ambiente terapêutico, existe um monólogo ou um diálogo, ou seja, uma conversa coloquial, não permitindo a emergência da fala plena uma vez que a lei da conversação (do diálogo) é a interrupção. Desta forma, o sujeito jamais chega a dizer o que ele tem a dizer, porque não só é interrompido como interrompe o outro. 

Fazer com que o analisando consiga associar livremente não é algo simples e pode levar algum tempo que ele deixe de simplesmente falar e passe sim a associar livremente. Alguns pontos são facilitadores desse processo e o uso do divã entra como um deles. No divã, ou simplesmente deitado o paciente encontra-se em uma posição em que a fala não é habitual, permitindo que o material recalcado no inconsciente se desprenda mais facilmente. A posição usada mais comumente para dormir é mais confortável permitindo assim que o inconsciente se manifeste de forma mais natural, já que a há uma predisposição ao relaxamento mental e à capacidade de verbalizar sem as preocupações com lógica e estilo. 

Ao tentar, portanto, conduzir o analisando pelo caminho de descoberta do seu próprio inconsciente o analista deve colocar-se a ouvi-lo de forma flutuante, ou seja, sem procurar somente raciocinar sobre o que está se ouvindo. O analista deve estar atento na medida certa, ao ponto de permitir que as interpretações aconteçam apropriadamente, sua percepção está apta a notar os sinais dados pelo analisando ao longo da sua fala, sem, no entanto, ser tomado pela lógica e sua racionalidade. Deve-se, portanto, ouvir o analisando com o seu inconsciente também. 

Ao longo dessa jornada dupla o material trazido é totalmente indiferente: pode-se falar sobre sua história, desejos, recordações ou mesmo sobre sua circunstância atual. Importante destacar que não se trata de um interrogatório, tão pouco um diálogo travado. O analista deve evitar perguntas fechadas, cujas respostas são um SIM ou um NÃO, mas sim perguntas praticamente sem respostas e as que suscitam uma compreensão por parte do analisando. O paciente deve sempre escolher o ponto de partida dessa “conversa”. Ao psicanalista cabe manter-se atento para que essa conversa não passe de um “contar o dia a dia”, caracterizando uma resistência ou um sinal de bloqueio, uma vez que o paciente fala muito por não querer dizer o pouco que é relevante. Ao paciente não cabe selecionar o que é importante! É exatamente na base dessa seleção que se encontra a resistência e é sobre esse tema que devemos evoluir. Nesse processo, o paciente deverá falar como se estivesse conversando sozinho, ou pensando em voz alta, falando exatamente e tão somente o que se pensa, afinal uma das origens do recalque é “pensar de um jeito e agir de outro”, muito influenciado por rigores morais, religiosos e culturais.  

É nesse caminhar que o processo psicanalítico se desenvolve e outros pontos específicos da técnica surgem, tais como a transferência e a resistência, além, claro, dos equivalentes opostos: a contratransferência e a contra resistência. Dessa forma, apesar de existir pré-requisitos específicos e técnicos na prática psicanalítica, o método de associação livre tem caráter específico, central e exclusivo em todo a dinâmica clínica.  Por se tratar do resultado de processos inconscientes do par analítico, ou seja, da interação única de analista e analisando e dada a sua importância dentro de toda a dinâmica, não se pode jamais considerar o trabalho de análise engessado dento de rigorosos padrões da técnica, mas sim, uma produção conjunta de interpretação e descoberta do não-saber. 

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