Os Mecanismos de Defesa do Ego Mais Utilizados Dentro e Fora do Consultório 

O conceito de mecanismo de defesa surge pela primeira vez em 1894 no trabalho “As Psiconeuroses de Defesa”, no qual Freud descrevia a luta do Ego contra afetos dolorosos e insuportáveis para o indivíduo. Este mesmo conceito é reformulado posteriormente por Freud. Mais tarde, Freud (1926) viria a substituir o conceito de repressão pelo conceito de defesa (Laplanche & Pontalis, 1988). Neste trabalho, Freud propôs diversos mecanismos de defesa, como a regressão, o recalcamento, a formação reativa, o isolamento, a introjeção, a projeção e a anulação, sendo que mais tarde Anna Freud (1936) introduziu outros novos mecanismos de defesa, como a sublimação, o deslocamento, a negação e a identificação com o agressor. Freud definiu os mecanismos de defesa como operações mentais ou métodos utilizados pelo Ego para se proteger contra as angústias do indivíduo ao se ver na impossibilidade de gratificar os impulsos vindos do Id. 

Sendo assim, podemos resumir que os mecanismos de defesa do ego são técnicas psicológicas utilizadas pela psique para lidar com as ansiedades. Identificamos uma série de mecanismos comuns de defesa que muitas vezes usamos, mesmo sem perceber, a fim de evitar a ansiedade causada por impulsos irracionais originados no id e a culpa resultante que a consciência moral do superego aplica em reação a esses sentimentos. São, portanto, quaisquer ações inconscientes do ego com o objetivo de reduzir, eliminar ou transformar alguma pulsão do Id ou exigência do superego que possa ser penosa para o indivíduo. 

Por fim, podemos afirmar que a principal função dos mecanismos de defesa é a resolução dos conflitos entre o que é percebido pelo indivíduo (sejam estímulos externos, recebidos através de órgãos sensoriais e o sistema percepção-consciência, sejam através de pulsões advindas do Id) e os seus valores internos (suas crenças conscientes e inconscientes, além dos conceitos morais do superego). O conflito é resolvido através de um processo no qual o Ego generaliza, distorce ou elimina de forma inconsciente determinados aspectos do mundo interno ou externo.  

Os mecanismos de defesa são, desta forma, utilizados quando o ego está desadaptado e não consegue lidar com o conflito entre as pulsões do Id e as normas morais do superego. Quando isso acontece, diferentes mecanismos de defesa são utilizados pelo indivíduo, podendo existir diferentes graus de angústia e de sintomas patológicos que observamos na clínica e muito comumente observados nos processos de resistência. Neste interim, o ego pode obter diferentes graus de sucesso no enfrentamento dos conflitos, mantendo estável o indivíduo. 

No dia a dia, no entanto, também fazemos uso dos mecanismos de defesa, mesmo sem qualquer patologia, uma vez que tais mecanismos são estratégias utilizadas pelo ego para adaptar-se ao meio ambiente sendo tão utilizados desde a infância, dentro do processo normal do desenvolvimento da criança. 

Abaixo relacionamos os principais mecanismos de defesa do ego seja em processos de adaptação saudáveis, seja em momentos nos quais o ego precisa adaptar-se, administrando as pulsões do Id e as exigências morais do superego. 

  • Anulação: é a tentativa do ego, muita das vezes de forma consciente, em anular os efeitos negativos de uma determinada ação provocada pela pulsão. Um exemplo é o ritual que alguns tem de bater três vezes na madeira ao falar da morte de alguém. É como se o rito simplesmente anulasse os efeitos maléficos da ideia da morte trazida pela situação. 
  • Formação reativa: mecanismo de defesa utilizado de forma inconsciente pelo ego fazendo com que duas ideias ou afetos antagônicos (amor e ódio, por exemplo), permaneçam, um consciente e em evidência e o outro inconsciente. Imagine uma pessoa que se sentiu injustiçada por sua mãe e passou a odiá-la. Contudo, como odiar a mãe é considerado algo inaceitável, o ego então mantém o ódio inconsciente e em seu lugar põe em evidência um intenso sentimento de “amor” por ela, tão intenso quanto o ódio inconsciente. 
  • Identificação: constituiu-se no processo do mecanismo de defesa do ego no qual a pessoa assimila (se identifica, faz-se igual) a um aspecto ou característica de algo ou alguém. Segundo a literatura, esse mecanismo de defesa é extremamente importante na constituição da personalidade, uma vez que ocorre naturalmente nos primórdios da vida. Um exemplo é a identificação que ocorre com a aquisição da linguagem por parte da criança. O mesmo processo pode ser observado em adolescentes na tentativa de buscar grupos e com adultos na identificação com personalidades políticas e times de futebol.  
  • Intelectualização ou racionalização: mecanismo de defesa inicialmente apresentado por Anna Freud como uma exacerbação de um processo normal do ego, que tenta submeter as pulsões do Id as ideias com que possa lidar. Trata-se de uma estratégia de dar explicações racionais aos seus conflitos e emoções, tal como um paciente que na clínica aborda seus sintomas de forma racional e geral, desprendendo-se de qualquer afeto. 
  • Negação: muito utilizado por egos fragilizados, negando a realidade externa que lhe é desagradável, podendo ser por uma fantasia ou por um comportamento. Nesse processo, a pessoa nega os dados da realidade material de forma autêntica, acreditando que os dados da sua realidade psíquica são reais, tendo com isso uma visão distorcida da realidade. 
  • Projeção e introjeção: processo no qual um indivíduo atribui a um objeto externo (coisa ou pessoa) características não aceitáveis da sua própria personalidade. Comum nos relacionamentos no qual um dos cônjuges atribui uma insegurança excessiva ao outro, sentindo-se pressionado e reprimido, enquanto na realidade é ele quem tem tal comportamento e sentimento, mas é extremamente doloroso aceitá-lo. Por outro lado, a introjeção é quando uma pessoa recebe determinados estímulos externos e os adota como seus próprios comportamentos. Quando existe uma projeção e uma introjeção paralela, ocorre o que chamamos de identificação projetiva. Em princípio, parece não ser saudável tal comportamento. No entanto, tal fenômeno é fundamental no processo de desenvolvimento infantil e na formação do superego das crianças ao observarem o comportamento dos seus pais e os introjetarem. Da mesma forma, que os pais passam a “observar” comportamentos seus nos filhos, sendo que tais comportamentos ainda não estão plenamente consolidados. 
  • Regressão: é o processo que opera no mecanismo de defesa que faz regredir para um objeto do passado a catexia que foi destinada a um objeto novo, do presente, mas que foi frustrada. Podemos notar esse mecanismo quando ao terminarmos um relacionamento sexual (típico da fase genital adulta) nos jogamos sobre comidas e bebidas (comum da fase oral infantil). 
  • Repressão ou recalque: foi o primeiro mecanismo de defesa reconhecido na literatura freudiana. Nesse mecanismo, o ego utiliza energia psíquica para barrar a entrada no consciente dos impulsos indesejados e dos afetos que os acompanham. 
  • Sublimação: mecanismo proposto por Freud para explicar atividades humanas que não apresentam qualquer relação aparente com sexualidade, embora a energia propulsora dessas atividades seja sexual. A pulsão sexual tem sua energia retirada e investida em atividades moralmente aceitas e valorizadas socialmente. A pulsão é sublimada quando sua energia sexual é derivada para um novo objetivo não sexual. 
  • Voltar contra si próprio: processo no qual o indivíduo direciona o afeto a si que deferia ser atribuído a um objeto externo. Comum em crianças pequenas naqueles momentos de “birra”, quando foi lhe negado algum doce e, uma vez extremamente irritada contra seu interlocutor, passa a se agredir com socos nas pernas e bater os pés no chão. 
  • Surdez emocional: momento em que o ego prefere ouvir, mas não escutar nada, fazendo com que o indivíduo pareça estar desconectado do momento presente. 
  • Idealização: defesa muito presente nos olhos dos apaixonados e retratado no ditado “quem ama o feio, bonito lhe parece”. Ou seja, é o mecanismo de defesa que transforma as relações afetuosas entre o indivíduo e algum objeto externo (coisa ou pessoa) em uma crença indestrutível. 
  • Renúncia altruística: momento no qual o indivíduo renuncia aos seus próprios interesses narcisísticos e egóicos em prol de algo que lhe possibilite um bom convívio social, estabelecendo assim boas relações afetuosas. Exemplo de tal comportamento é a filha mais nova deixa de adquirir um sapato para si e utiliza aquele valor para um sapato para a mãe ou sobrinha, ou seja, a “generosidade” da jovem é a forma de uma atitude defensiva, transformada no socialmente aplaudido. 
  • Reparação: sabe aquele marido que chega tarde em casa com flores? É um comportamento defensivo que em linguagem popular seria o pedir desculpas por algo moralmente inaceitável feito. 
  • Aceitação: aceitar uma situação que causa ansiedade é um mecanismo de defesa usamos para lidar em circunstâncias ou sentimentos indesejáveis. No caso de desastres naturais, uma família pode lidar com a situação, aceitando que “chover naquela época do ano é normal e que um dia a enchente iria ocorrer.” 
  • Encenação: Quando o componente id sinaliza o desejo de agir em um impulso, o ego e o superego frequentemente o neutralizam por considerar esse comportamento contraproducente ou imoral. Uma pessoa pode querer xingar depois de cair em uma rua movimentada, mas o ego, percebendo ser isso como uma etiqueta social contraditória, segurará os palavrões. Em algumas ocasiões, no entanto, podemos não ser capazes de equilibrar os impulsos do id e defender o ego simplesmente agindo de acordo com os desejos irracionais. Por exemplo, uma pessoa pode “atuar” ao sair de uma reunião estressante ficando calmo e escondendo seu desconforto. 
  • Antecipação: Utilizado quando levamos nossos filhos para tomar aquela vacina e dizemos a eles: “vai passar rapidinho… vai ser só uma picadinha”. A fobia da criança é antecipada e a sua mente lhe prepara para tal situação, gerando os recursos necessários para melhor lidar com a situação. 
  • Conversão: mecanismo de defesa pelo qual a angústia causada por impulsos e sentimentos reprimidos é “convertida” em uma queixa física, como tosse ou sentimentos de paralisia. Comum naquela dor de cabeça terrível as vésperas do concurso ou da reunião estressante que teremos com o chefe! 
  • Deslocamento: mecanismo utilizado quando uma pessoa reprime o afeto que ela sente em relação a um objeto (coisa ou pessoa). Aceitando que é socialmente inaceitável demonstrar tais sentimentos, a psique impede que tal afeto seja convertido em ações. No entanto, os sentimentos são deslocados para um outro objeto a quem é aceitável expressar tais sentimentos. 
  • Dissociação: as pessoas que usam a dissociação como um mecanismo de defesa tendem a perder momentaneamente sua conexão com o mundo ao seu redor. Elas podem se sentir separadas do mundo exterior, como se existissem em outro reino. A dissociação frequentemente ajuda as pessoas a lidar com situações desconfortáveis “removendo-se” delas. Elas podem entrar desde um estado de sonhar acordado, olhando para o espaço e deixando sua mente vagar até que alguém as cutuque, levando-os a reconhecer a realidade mais uma vez até perdas momentâneas da consciência. 
  • Humor: o uso do humor pode ser um mecanismo de defesa “maduro” – uma técnica principalmente adaptativa para nos ajudar a lidar com situações tensas ou estressantes. Buscar um aspecto engraçado em um ambiente em que nos falta controle pode nos ajudar a suportá-lo, e pode até ser um ato altruísta ajudando os outros a lidar melhor também. 
  • Agressão Passiva: agressões são consideradas insociáveis ​​e indesejáveis ​​em muitas sociedades, portanto, quando impulsos agressivos ou violentos são experimentados, as pessoas tendem a evitá-los o máximo possível. No entanto, a energia restante que impulsiona tal agressão pode revelar-se mais difícil de conter e pode se manifestar de outras formas, conhecida como agressão passiva. Uma pessoa agressiva passiva pode não cooperar no desempenho de suas funções ou outras tarefas, pode ignorar deliberadamente quando alguém se dirige a ela e pode adotar uma visão negativa de sua situação, como seu trabalho e daqueles ao seu redor (por exemplo, colegas). Em relacionamentos, por exemplo, o uso da terceira pessoa para dirigir ao cônjuge ou filho pode ser uma forma defensiva de agredir. 
  • Comparação: comparações em geral são feitas com algo ou alguém que nos parece superior e neste contexto são causas de enorme sofrimento. No entanto, quando as pessoas sentem que foram vítimas de ações injustas, elas podem defender o ego comparando-se com aquelas em pior situação. Por outro lado, podemos ver semelhanças com alguém que nos parece superior com o objetivo de melhor nossa autoestima.  

 Listamos acima os mecanismos de defesa mais comuns na literatura e na clínica. Vale mencionar que todos eles são úteis e, a depender do grau, saudáveis para o equilíbrio da psique humana. Por último, tais mecanismos estão em constante evolução e a todo momento, devem ser revistos, alterando nomenclaturas, criando e deixando de lado aqueles que não são mais relevantes ao momento presente. 

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