Não! Não são sinônimos, como eu mesmo pensava até pouco tempo atrás. São dois transtornos diferentes e, portanto, com sintomas, tratamentos e causas diversas. O que quero trazer aqui é o quão duro conviver com alguém com qualquer um dos dois.
Como já relatei em outros textos aqui, ao longo da minha vida não tive um contato próximo com meus familiares. Sem dúvida, isso produziu diversas feridas em mim, feridas essas que retratarei em outras oportunidades. O que mais me tem saltado aos olhos é como meu conhecimento comportamental dos meus familiares foi, durante muito tempo, desconhecido ou, ao menos, mascarado.
Em síntese, para contextualizar esse texto em específico, passei dois anos e meio da minha adolescência morando na casa da minha avó materna, pois ela morava mais próximo do meu colégio e meus pais, entre outras razões não tinham condições de manter o meu deslocamento casa-colégio. Após os três anos do ensino médio morando com eles, retornei para casa da minha avó na faculdade para praticamente não voltar mais. Apenas durante 6 meses, logo após minha separação, que acabei voltando a morar com meus pais. Depois desse período, saí novamente do convívio diário: fui morar no exterior, casei novamente e me mudei de estado.
Esse distanciamento não me permitia ter uma visão linear dos comportamentos que meus familiares tinham, em especial a minha mãe. Apenas conviver durante alguns dias e ouvir relatos dos meus irmãos, mais especificamente da minha irmã! Nesses relatos, minha irmã falava como estava difícil conviver com a minha mãe: ela, minha mãe, tinha aos olhos da minha irmã, um comportamento agressivo, rude, intempestivo, explosivo, desconexo.
Esses relatos pouco me lembravam do período que morei com ela no ensino médio: apesar de explosões de fúria e tristeza em alguns momentos, a via com uma mulher alegre e contagiante. Nas festas de família, era alegre, cantava e dançava provocando uma certa “vergonha” no meu pai… Com uma enorme aversão à bebida alcóolica, se vangloriava de ser alegre e falante sem “colocar uma gota de álcool na boca”.
Apenas no período que morei na casa dela, logo depois da minha separação notei algo estranho. Lembro-me de relatar “nunca sei o que vou encontrar atrás da fechadura!”. Era uma frase que falava bastante tanto para minha irmã, quanto para minha namorada na época (que viria a ser a minha esposa atual). Um dia era uma mulher afável, compreensiva, carinhosa, receptiva. E no dia seguinte, e por vezes até no momento seguinte, se mostrava raivosa, intolerante, agressiva. Lembro-me claramente que em uma determinada sexta-feira cheguei em casa acompanhado da minha namorada. Sentamo-nos à mesa, na copa de casa. Estávamos além de nós dois, meus pais e minha irmã. Minha mãe, então, com um olhar raivoso, de ódio mesmo, verbalizou para mim: “eu estou com um ódio de você, Leonardo! E não sei por que”. Levantou-se do sofá, foi para o quarto dela. Nós quatro ficamos perplexos… nos entreolhamos, sem nada entender! Após alguns minutos, minha mãe voltou mais tranquila, sem aquele olhar. Simplesmente seguimos a vida como se nada tivesse acontecido.
Eu em particular, colocava esses comportamentos na conta da minha separação. Mesmo acreditando que isso não deveria ser motivo suficiente para tamanho ódio. Relevava argumentando para mim mesmo como um reflexo do “trauma” da minha própria separação, afinal, minha mãe e minha ex-esposa tinham uma ligação relativamente grande e ela estava retornando para sua cidade natal com meu filho, neto que minha mãe tinha grande apreço.
Como citei acima, mudei de país, casei-me novamente e mudei de estado. Mas os relatos continuavam de situações aparentemente isoladas de tristeza e raiva contrastando com momentos de alegria. Mesmo já tendo passado vários anos depois de separado, quando estávamos juntos, notava alguns momentos de isolamento, apatia e tristeza. Então, “só” a minha separação realmente não seria esse motivo…
Minha irmã falava desde essa época que minha mãe tinha transtorno bipolar. Conversando com ela e minha esposa, sempre falávamos: “não Nanda! Não é pra tanto… Ela é alegre, só está vivendo um momento conturbado.” Acontece que esse momento sempre era seguido de outro e de outro e de outro… Mesmo assim, à distância, não conseguia ter essa visão.
Até que, no início de 2019, optei por passar uma temporada morando com meus pais. Tínhamos alguns planos e, até que fossem concretizados, passaríamos alguns meses juntos. Seria uma oportunidade para estreitar um laço de certa forma perdido (ou mesmo não construído!). Porém, veio a pandemia, fazendo com que vários planos fossem adiados e outros esquecidos, transformando com que os meses que inicialmente imaginávamos virassem em 2 anos.
Nesse período, sim! Mais maduro, sem um pouco da minha “culpa” por separá-la do seu neto e com mais de 15 anos de intervalo, pude observar dia após dia o que a minha irmã me relatava. Hoje com a psicanálise consigo notar vários sintomas que se encaixam com o transtorno bipolar dos diferentes tipos ou do transtorno de personalidade borderline. Apenas um psiquiatra pode diagnosticar qualquer um dos transtornos. O que quero trazer aqui são relatos da vida que nós, os familiares, tivemos juntos a alguém com esses padrões de comportamento.
As pessoas com transtorno bipolar vivenciam comportamentos de intensidade não usuais, mudanças nos padrões de sono e níveis de atividade e comportamentos incomuns. Esses períodos chamados de “episódios de humor”. Os episódios de humor são drasticamente diferentes dos padrões comportamentais da pessoa. Ao longo desses 2 anos que vivemos juntos pudemos notar diferentes sintomas, em diferentes intensidades e momentos, tanto de episódios maníacos como dos depressivos.
Diversas vezes minha mãe sentia-se extremamente eufórica, radiante. Ela dizia que precisava viver… Que gostaria de sair de carro para qualquer lugar, tornando-se agitada. Não parava um segundo sequer! Falava diferentes assuntos, nem sempre conexos entre si, além de ficar irritável, sensível. E o principal: ela junto com meu pai participa de grupos de caminhada e trilhas. Em diferentes momentos ela sofreu quedas por se meter em locais de trilhas difíceis até para mais jovens, mas ela acreditava que era capaz de superar aquele obstáculo.
Em alguns momentos, por outro lado, ela não conseguia dormir direito a noite ou, do nada, a tarde, sentada no sofá lendo, caia no sono. Durante dias relatava sentir-se vazia, sozinha e triste. Esquecia suas tarefas diárias com facilidade: feijão e arroz na panela vez por outra estavam queimados. Além disso, não tinham apetite e disposição para nada.
Os sintomas são diversos e com o estudo pude lembrar que minha mãe relatava o medo de abandono, a raiva iminente, as mudanças constantes de humor, o vazio que ela mesmo verbalizava diversas vezes e o comportamento impulsivo ao longo da vida inteira. São sintomas do transtorno Borderline, o que mostra realmente apenas uma avaliação psiquiátrica é capaz de diagnosticar com precisão e orientar melhor o tratamento. O que esse artigo se dispõe é colocar um olhar cuidadoso sobre os nossos familiares e quão sofrido é para eles se relacionar com a vida e com a família.
Entender um pouquinho o sofrimento desse indivíduo, perceber ao longo do tempo essas variações e, principalmente, aconselhar acompanhamento médico e terapêutico são fundamentais para um bom convívio familiar. Diferente da minha mãe que até hoje não tem um diagnóstico preciso e acaba por influenciar toda a família com seu sofrimento, a pessoa com transtorno Bipolar ou com transtorno Borderline podem proporcionar um convívio familiar harmônico e leve, desde que toda a família tenha bem entendido a circunstância em que estão inseridos.
Minha irmã percebia as flutuações assim como eu pude perceber também ao estarmos juntos. A relutância da minha mãe não permite até hoje que seja dado um diagnóstico preciso, assim como um correto acompanhamento. No entanto, apenas um olhar diferente para minha mãe, como alguém que sofre por ter esses comportamentos tão distintos, faz com que tenhamos todos os comportamentos mais leves para lidar com as diferentes situações do dia a dia familiar.
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