A dificuldade de lidar e falar sobre sexo está ligada a toda a história do sexo e cultura que se dá desde a antiguidade. Nessa época, a mulher era valorizada, e até mesmo sagrada e havia uma veneração das partes sexuais femininas nos cultos de fertilização. Inclusive, a mulher era considerada a responsável pelos bons resultados na agricultura, onde a semeadura era feita por ela. Se ela estivesse grávida, acreditavam que teriam ainda melhores resultados.
Mas, a partir de aproximadamente 5000 A.C, a sociedade deixa de ser matriarcal e passa a ser patriarcal. A mulher é colocada em um lugar de submissão: de sagrada detentora do poder de gerar a vida, passa a ser posse do homem. Na antiguidade, há contextos sexuais muito interessantes que merecem descrição por permitir exercícios de reflexão que nos ajudam a compreender a formação do pensamento sexual até os dias de hoje. Podemos assim dizer que, as travas, as crenças limitantes, o medo de se tocar, de não tratar com naturalidade algo tão natural, o sexo, vem desde essa época, quando a figura feminina deixou de ser vista como detentora do poder.
Vale ressaltar que a representação social da sexualidade foi construída, vivenciada e apresentada de acordo com a cultura, a época e as ideologias. Onde cada construção é uma mostra de comportamentos, costumes, valores e atitudes sexuais que são distintos de época para época, de povo para povo que alterna movimentos de mais repressão ou mais liberdade.
A Igreja Católica teve grande influência na normatização e imposição de regras e, junto com a ciência, distorceu a visão sobre a sexualidade, como algo doente, como pecado. Desse modo, a partir de 1822 essa liberdade sexual passa a ser combatida.
Bom, mas nos anos de 1960, surge a revolução sexual, o movimento hippie questionando a guerra, além da invenção da pílula anticoncepcional. Já em 1980, surge o primeiro caso da AIDS e a partir daí inicia-se discussões sobre ter cuidado durante a relação sexual. Ainda no século XX, nas décadas de 70 e 80, inicia-se todo um preparo sobre o tema sexualidade e nas décadas de 90 e 2000 surgem diferentes grupos de pesquisas que começam a compreender as diferenças, a liberdade, os direitos e a diversidade sexual.
Parece que estamos evoluindo, né?! Valores “puritanos” oriundos do Vitorianismo inglês do final do século XIX, porém, tais como a poupança, a dedicação ao trabalho, a defesa da moral, os deveres da fé e o descanso dominical ainda são marcantes. Os homens dominam, tanto os espaços públicos, como privados. As mulheres são submissas e devem dedicar-se em exclusivo à manutenção do lar e à educação dos filhos. Esses valores ainda têm muita influência ainda no século XX. Parece que as mudanças tecnológicas e científicas ocorridas durante a segunda metade do século XX chocam-se com a cultura que ainda resiste desde o século XIX.
Esse choque produz a partir entre 2010 e 2012 um movimento conservador e entre 2014 e 2015 há um enorme retorno à repressão sexual. O maior movimento de repressão sexual se deu a partir da Idade Moderna, entre os séculos XV e XVIII, com o Puritanismo e teve seu ápice de repressão sexual no século XIX. No entanto, estamos agora falando do século XXI, é isso mesmo, a pouquíssimos anos atrás e o que se vê é: repressão sexual e conservadorismo.
A sexualidade é uma construção cultural que se inicia a partir de ensinamentos desde a infância, das vivências, das percepções, dos valores, das crenças, mitos e dos preconceitos. Mas como isso tem a ver com um superego rígido? Só tudo! Afinal, algo que é tratado com repressão e conservadorismo, imagina a quantidade de conflitos que nos geram entre o id (desejo) e o superego (é pecado, é imoral) e o ego (o que vou fazer?).
Para compreender melhor sobre a formação desse mecanismo, cito o ponto de vista da Psicanálise que concebe a vida psíquica como evolução incessante de forças elementares, antagônicas, compostas ou resultantes, comum conceito dinâmico do psiquismo. Fala-se de duas tópicas freudianas, sendo a primeira (topográfica) aquela em que a distinção principal é feita entre inconsciente, pré-consciente e consciente, e a segunda (estrutural) a que distingue três instâncias: o id, o ego e superego.
Na segunda tópica, a teoria estrutural cria uma divisão dentro do próprio Ego e criando um conflito. De um lado deste conflito, encontra-se o desejo instintivo com as lembranças e fantasias a ele associadas, localizadas no id. De outro lado, estão as forças anti-instintivas da mente, tanto morais (superego) como racionais/defensivas (ego). Esses conflitos são aqueles autopunitivos, isto é, os conflitos com id precisam ser evitados, para assim, evitar uma punição externa (social).
Partindo deste princípio e entendendo que a formação do nosso superego se dá através dos ensinamentos dos nossos pais, e que somos produto de um meio social e cultural, certamente não iríamos tratar o sexo como algo natural. Introjetamos aquilo que nossos pais nos passam de acordo com o que eles mesmos têm como normas morais e regras (o superego deles). Dessa forma, o sexo ainda hoje é visto como algo sujo, feio, um pecado, é imoral.
Para nós brasileiros, somos frutos de 500 anos de história onde se misturam as culturas indígena, portuguesa e africana. É daí que vem a nossa cultura sexual brasileira. Por aqui, passamos por momentos de liberdade sexual, representado muito nos grupos indígenas, onde a poligamia nas colônias era recorrente. Para os índios existia uma liberdade sexual. Porém, como citei anteriormente, ainda entre 2010 e 2012 surge um movimento conservador e em 2014 a 2016 há um retorno à repressão sexual e chegamos aos dias atuais com um alto índice desse conservadorismo, repressão, discriminação e desrespeito às igualdades.
Faz sentido compreender por que é tão difícil tratar o sexo e a sexualidade como algo natural? Não tem como falar com naturalidade de algo que até hoje ainda sofre com preconceitos e tabus. É compreensível sim que tenhamos tais dificuldades ou que elas de fato existam, uma vez que a formação dos nossos conceitos morais e punitivos estão arraigados nosso no superego, cuja formação se dá através do superego dos nossos pais que vivenciaram mais fortemente períodos de enormes mudanças socioculturais.
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