A fobia, também chamada por Freud de histeria de angústia, é uma modalidade da neurose que se caracteriza por uma combinação de pulsões, fantasias, angústias e defesas do ego. Em outras palavras é uma perturbação da ansiedade caracterizada por medo ou aversão persistente por um objeto ou situação, causando uma sensação de pânico e terror capaz de paralisar o indivíduo de suas ações.
A origem desse transtorno, olhando para a fase do desenvolvimento psicossexual, fica difícil discernir exatamente em qual fase se dá essa fixação, porque o desencadeamento dessa psicopatologia neurótica fóbica é influenciado por vários critérios para a sua constituição.
Contudo, é a relação que a criança tem com os sentimentos e vivências que lhe são proporcionadas que irão contribuir para o desenvolvimento de fobias. Um exemplo é quando a mãe vê uma aranha, e na frente da criança ela grita de medo. A criança poderá reagir a partir daí com medo também. Os sustos que os pais levam quando a criança está lá destemida perto da escada, e eles reagem com um grito, assustando também a criança. Esses são alguns dos exemplos de experiências traumáticas que podem desencadear a fobia, entre outras questões.
Entendendo isso, quero relatar aqui a minha fobia do mar, piscina ou rio, ou seja, tudo que envolvia água e nadar. Notei na minha transição da adolescência para a vida adulta que eu tinha medo do mar. Nasci e fui criada em Curitiba-PR, cidade onde não há praia, com um clima ameno e sem muito acesso a experiências com água: mar, rio, piscina. Porém, sempre tive vontade de morar na praia e sempre admirei o mar. Apesar de admirá-lo, quando o via na TV eu já notava um misto de admiração com medo. Até que com meus 17 anos, fui à praia e não consegui entrar na água da mesma forma que todo mundo. Molhei apenas meus pés. Senti-me paralisada, com um frio na barriga gigante. Mas, na minha cabeça eu estava me sentindo assim porque eu não sabia nadar. E ao contrário daquelas pessoas, eu não tinha esse convívio com a água, praia, piscina etc.
Pois bem, já que eu acreditava que era isso, com 25 anos resolvi me matricular em uma escola de natação. No primeiro dia, expliquei ao instrutor que eu tinha medo e que não sabia de onde vinha isso, afinal, nunca sofri nenhum incidente de afogamento que eu me lembrasse. O meu medo era claro: eu precisava sentir o chão. Quando eu não o sentia, vinha o pânico, o choro, o desespero. Demorei alguns minutos para conseguir confiar no instrutor e, quando consegui entrar na piscina, entrei em prantos. Nesse momento foi que ele notou, de fato, o tamanho do meu medo. Aos poucos fui me sentindo confortável e, com o passar dos dias eu estava indo muito bem. Até que, do nada, em uma aula paralisei, e sem entender a razão, parei de frequentar as aulas.
Apesar do meu medo, eu sempre quis enfrentá-lo. Com 26 anos, me mudei para a Europa, para uma cidade litorânea e passei a ter mais contato visual com o mar, mas só o admirando. Voltando ao Brasil, consegui um emprego em navio de cruzeiro. Quando me candidatei, obviamente sabia que era para trabalhar embarcada e rezei para não ser contratada por conta desse medo. Porém, fui contratada e é claro, mesmo com medo, eu enfrentei. Lembro até hoje do primeiro dia que entrei no navio em prantos. Falo que entrei de gaiato no navio e entrei pelo cano literalmente, porque o resultado dessa fobia foi viver internada dentro do hospital, passando mal. Tive até um descontrole hormonal, que resultou em aproximadamente 40 dias menstruando sendo inclusive obrigada a ser consultada em terra. É claro que esse emprego não deu certo!
Por ironia do destino, morar na praia era o meu caminho. Já casada, meu marido foi transferido para Santa Catarina para uma cidade litorânea e eu me empolguei dizendo que agora eu iria aprender a nadar. Afinal, meu estilo de vida seria mais esse. De estar em contato com o mar, calor etc. Doce ilusão! Mas como seguia acreditando que era o não saber nadar que me causava o medo, me inscrevi novamente em aula de natação. Eu cheguei a aprender as técnicas, mas notava que precisava sempre de um apoio. O professor chegou a me dar uma tampa de caneta para eu me segurar e dar as braçadas. Por incrível que pareça, aquilo me dava a segurança que eu precisava, sabe-se lá por quê. Até que ele chegou a falar, daqui pra frente, é buscar ajuda psicológica para trabalhar a sua fobia, porque a prática eu já te passei. Claro que, em dado momento, eu tranquei as aulas, porque mesmo eu indo “muito bem”, sequer conseguia esperar o início da aula sem sentir aquela ansiedade e o medo.
Várias mudanças ocorreram a partir daí, inclusive de vida profissional. Passei a estudar para trabalhar com terapia para poder ajudar e transformar a vida das pessoas. É claro que busquei lidar com as minhas próprias questões e emoções. Cheguei a fazer vários cursos e um dos que me ajudou a lidar melhor com essa fobia foi a hipnose. Lembro que trabalhei o sentimento diante do mar. Porém, após trabalhar isso, passei uns 2 anos sem contato algum com ele, ou em qualquer outro contexto. Afinal, eu já havia voltado a morar em Curitiba.
Voltei após esse período a morar em SC e notei que meu contato com o mar depois da hipnose, melhorou. Entrava no mar com o sentimento de tranquilidade mesmo sem conseguir tirar os pés do chão e ainda não conseguindo colocar em prática o que eu aprendera na natação. Agora a ansiedade não existia, mas não conseguia me soltar a ponto de colocar em prática as técnicas. Algo me travava. Se não tenho medo e já aprendi algumas técnicas, por que ainda não consigo me soltar e dar sequer uma braçada? Recentemente, notei que um friozinho na barriga começou a voltar. E aquela vontade de estar na água, o contato com o mar já estava sendo evitado por mim e já não era mais tão bom.
A girada de chave foi, em um belo dia estudando a Psicanálise e entendendo mais afundo sobre fobias, compreendi que, somada às explicações iniciais acima, está um sentimento de desamparo, que através de um processo primário desloquei um primeiro sentimento para outra coisa.
No momento em que eu estava assistindo à videoaula, compreendi isso e me veio à cabeça a cena da primeira vez que eu vi o mar. Foi quando eu tinha entre 7 e 9 anos de idade. Eu não lembro exatamente a minha idade, mas me lembro que estava no primário. No momento que me lembrei da cena, me vi em frente ao mar, sozinha com o céu cheio de nuvens pretas. Desabei a chorar imediatamente.
Tudo ficou claro: como era um passeio da escola, eu me senti sozinha, sem a presença da minha mãe. Em seguida me lembrei o quão era difícil eu ficar na escola. Todos os dias, ao ir para as aulas, eu sempre chorava, me sentia sozinha, abandonada. Eu buscava o amparo da minha mãe. Naquele dia, na praia, ao ver o mar pela primeira vez, foi exatamente, o mesmo sentimento que tive: de insegurança, desamparo, abandono.
Como hoje sou terapeuta, logo que encontrei a causa, fui buscando fazer minhas reflexões sobre aquele dia, o deixando mais confortável possível. Vendo que eu não estava sozinha como na primeira cena, compreendi que eu queria a presença da minha mãe e por isso meu cérebro não enxergava mais ninguém. Fazendo a minha autoanálise, trouxe a consciência que havia a diretora da escola, os demais coleguinhas. Além disso, notei que me comparei com eles: eles foram direto para o mar e eu não.
Essa cena ainda era doída e não conseguia me sentir totalmente amparada. A dor da comparação ainda estava muito presente. No entanto, fui lembrando que não era isso, todos nós naquele dia só podíamos entrar molhando apenas os pés, porque o passeio não era para entrar na água de biquini e sunga. Aquele momento era só uma passagem rápida, no final do dia, apenas para molhar os pés mesmo. Com isso, consegui me sentir melhor ao lembrar que não era só eu que fiz aquilo. Eu achava que só eu havia molhado os pés e havia feito isso por medo. Mas não, todas as crianças do passeio entraram no mar com a água somente nas canelas.
Compreendi que todos apenas molharam apenas os pés, com a diferença que eu precisei da ajuda da diretora para me acompanhar até a água, visto que era minha primeira vez em contato com o mar e não soube de fato como agir, diferente daquelas outras crianças. Notei que o desamparo que eu senti era a ausência da minha mãe e eu anulei na minha mente qualquer tipo de apoio que eu tive naquele momento. Afinal, a diretora que me ajudou naquele dia, não era a pessoa que eu queria que estivesse ali, e sim a minha mãe. Ressignifiquei a visão que eu tinha da diretora e das outras crianças.
A imagem que vem na minha cabeça agora é de um final de dia feliz, eu falando com a diretora que era a primeira vez que eu via o mar e queria o amparo dela. Vejo ela me guiando junto aos demais que já estavam na beira d´água com os pés molhados. Minha relação com o mar a partir de agora é essa: não mais de angústia e sim de prazer e de felicidade. Hoje eu me sinto preparada para me matricular novamente na escola de natação e voltar a aprender a nadar sem medo de ser feliz.
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